Desde que foi eleito presidente da República, Jair Bolsonaro tem adotado uma estratégia de comunicação semelhante ao que utilizou durante a campanha de 2018. Um uso intenso de mídias sociais para rebater críticas, fazer anúncios da formação do seu governo ou disseminar seus pontos de vistas sobre políticas públicas. Embora a intensidade das interações do público tenha reduzido quando comparado com o período eleitoral, a estratégia de Bolsonaro tem conseguido mobilizar o debate, posicionar a sua imagem como alguém próximo dos eleitores e que se preocupa em falar diretamente com o seu público.
A estratégia do novo presidente está alinhada com o que tem sido considerado uma mudança substancial nomodelo clássico de comunicação política em várias democracias pelo mundo. A expansão da internet nos anos 2000 e, consequentemente, o surgimento das mídias sociais e dos aplicativos de comunicação instantânea alteraram a relação entre campo político e eleitores. Embora em ritmo relativamente mais lento, o Brasil não está fora desse cenário. Mais 70% das residências já contam com acesso à internet, e nesses imóveis, a preferência pelo acesso à rede por smartphone já chega a 69%[1].
A multiplicidade de fontes online e o dinamismo das trocas de mensagens, via aplicativos ou mídias sociais, tem alterado, portanto, os hábitos de consumo de informação, forçando o campo político a adaptarsuas estratégias de comunicação. O eleitor, que antes esperava o noticiário da noite ou do meio-dia para saber o que os políticos têm feito por ele, hoje recebe, pelo celular, informações continuamente de amigos, familiares, empresas jornalísticas e de agentes políticos que têm procurado se adequar a esse novo contexto.
O contexto atual sugere, portanto, que a atenção do público, antes fortemente direcionada para os meios tradicionais de comunicação, como tv, rádio e jornais passou a também a orientar-se pelos meios alternativos. Do ponto de vista do campo político, o desafio de mobilizar a atenção para os temas políticos do seu interesse ou para construir uma imagem pública passa pela adoção de estratégias para ocupar e ser visto nesses novos canais.
A transição para o Governo Bolsonaro via Twitter
O cenário descrito acima demonstra a importância dos estudos e análises sobre os discursos de agentes políticos quando usam as mídias sociais. É por meio dessas plataformas que alguns deles têm procurado não apenas mobilizar a atenção dos eleitores, disputando espaço com os meios tradicionais de comunicação, como procurado controlar a agenda e imprimir uma imagem pública.
Esteestudo exploratório analisa o conteúdo dos twittes publicados por Jair Bolsonaro em um momento muito específico, no qual ele iniciou a transição entre a figura do candidato que buscava votos pelas redes e o presidente eleito, mas ainda sem assumir o cargo. Este momento, que chamamos aqui de Governo de Transição, corresponde ao período que vai de29/10/2018, dia seguinte a sua vitória no segundo turno, e 19/12/2018, data da extração dos dados deste levantamento.
Foram, portanto, 50 dias que cobrem o período de Governo de Transição, em que Bolsonaro passou a imprimir uma estratégia de comunicação por essa mídia social. Buscamos, com isso, compreender a maneira pela qual Bolsonaro utilizou essa ferramenta, bem como o conteúdo da sua estratégia de comunicação para mobilizar a atenção e buscar firmar uma imagem de novo presidente eleito.
O estudo está dividido em duas partes. A
primeira apresenta dados gerais e agregados da frequência com que Bolsonaro
usou o Twitter no período analisado, com o objetivo de identificar tendências.
A segunda parte foca mais no conteúdo dos posts do presidente, utilizando, para
isso, técnicas de análise de discurso combinada com a estatística. O objetivo
foi identificar os padrões das mensagens de Bolsonaro no Twitter e a sua
temática predominante.
O uso da relevância como estratégia
A importância que Jair Bolsonaro dá à estratégia de comunicação direta com o público pode ser medida em alguns indicadores. Em 50 dias do Governo de Transição, Bolsonaro publicou 144 posts próprios, ou seja, sem consideramos os retwittes e as mensagens nas quais foi mencionado por outros usuários. Desse modo, em todo período, a média de posts de Bolsonaro chegou a quase três por dia (2,8 posts/dia).
Um outro indicador refere-se ao tipo de informação que Bolsonaro escolheu compartilhar primeiramente no Twitter. Dos 22 ministros anunciados para o seu governo, 14 foram apresentados em primeira mão nessa mídia social. Aos veículos tradicionais de imprensa, coube replicar a informação ou aguardar uma entrevista do presidente para falar sobre a nova indicação.
Ao publicar primeiramente no Twitter informação com alta relevância política e manter uma frequência relativamente alta de posts diários, o presidente Bolsonaro procurouchamar a atenção dos usuários para a importância da sua comunicação direta. Essa estratégia, que associa frequência e relevância do conteúdo, estimula a percepção de que vale a pena o eleitor manter a atenção direcionada para a conta do presidente nesta mídia social.
Como sabemos, a atenção é o primeiro fator na construção de uma estratégia de comunicação. Em democracias representativas, presidentes da República tendem a atrair uma maior atenção dos meios tradicionais de comunicação em função da centralidade do chefe do Executivo federal. Mas presidentes não controlam como a mensagem chegará ao público alvo, já que cabe às empresas jornalísticas, a edição e a disseminação dessas informações. O cenário que temos hoje, portanto, altera essa relação. Presidentes continuam despertando maior interesse dos meios tradicionais, mas agora eles podem também falar diretamente aos eleitores, de uma maneira rápida, simples e com alto poder de alcance e engajamento.
No período pesquisado, três twittes de Bolsonaro tiveram o maior número de engajamentos. O primeiro foi publicado no dia 29/10, no dia seguinte à confirmação da eleição de Bolsonaro. Na mensagem, o então presidente eleito informa aos eleitores ter recebido um telefonema do presidente americano Donaldo Trump. Em números atuais, e não o que está representado na imagem, a mensagem teve mais de 270 mil engajamentos (curtidas, comentários e compartilhamentos)
A segunda mensagem com o maior número de engajamentos foi publicada por Bolsonaro no dia 01/11, quando anunciou o então juiz federal Sérgio Moro como o futuro ministro da Justiça. Em números atuais, foram mais de 251 mil curtidas, comentários e compartilhamentos. O terceiro post com maior envolvimento dos eleitores foi publicado no dia 30/10. Na mensagem, Bolsonaro relata ter gasto R$ 1,5 milhão na sua campanha eleitoral e agradece o apoio dos eleitores. Em números atuais, o twitte teve 205 mil engajamentos.
Estes dados demonstram, portanto, que
Bolsonaro tem conseguido manter ativa a sua rede de seguidores no Twitter,
beneficiando-se da posição que passou a ocupar após o resultado das urnas, mas,
e principalmente, pelo modo como tem utilizado esse canal. Isto é, com
informações com alta relevância, caso da nomeação de ministros. Essa estratégia
levou os meios de comunicação tradicional a replicarem não apenas essas
informações, mas o meio através do qual elas foram apresentadas pelo presidente.
Esse comportamento tem contribuído para disseminar a percepção de que Bolsonaro
não só valoriza a comunicação direta com o público via Twitter, bem como espera
que o público oriente a sua atenção para esse canal.
Tendências na estratégia de Bolsonaro no Twitter
Entre 29/10 e 19/12 a média de twittes de Jair Bolsonaro foi de 2,8 posts por dia. Mas os dados indicam uma mudança forte de padrão após o período eleitoral. Os três dias da série do mês de outubro apresentam média bem superior, com 6 posts por dia. Esse padrão, fruto provavelmente ainda do clima de vitória nas urnas, cai substancialmente para 2,6 posts/dia em novembro, quando Bolsonaro passa a coordenar a transição para o seu Governo. Essa média é mantida no período de dezembro considerado nesse estudo. Esses dados demonstram que, embora mantenha a estratégia de uma comunicação direta via Twitter com eleitores, Bolsonaro mudou a intensidade com que usa a rede, escolha, certamente influenciada pelo período pós-disputa eleitoral.
Figura 1. Número de twittes de Jair Bolsonaro (29/10 a 19/12)
A redução no número de posts por dia impactou, por outro lado, a média de engajamentos na rede de Bolsonaro no Twitter. A média no período logo após o fechamento das urnas é bem superior (640 mil)aos dois períodos seguintes (214 mil e 149 mil) e ela apresenta tendência de queda.
Esse dado sugere que o clima eleitoral é um fator de alta relevância para o consumo, disseminação das mensagens e o envolvimento dos eleitores com os posts dos candidatos. Passado esse período, inicia-se uma fase mais comedida, mas nem por isso menos importante na estratégia de comunicação. Era esperado, portanto, esse comportamento dos usuários da rede porque, no período de transição o então presidente eleito passou a lidar com questões mais diretas da administração, como nomeação de ministros, posicionamento público sobre questões da agenda, assuntos que, provavelmente, estão mais distantes do dia a dia do eleitor. De qualquer modo, 149 mil engajamentos por dia, em novembro, não é um dado trivial.
Figura 2. Total de engajamentos dos twittes de Jair Bolsonaro
(29/10 a 19/12)
Os dados sobre frequência e volume de engajamento demonstram que Bolsonaro passou a focar mais no conteúdo das mensagens que dissemina via Twitter do que no volume, como observado no período logo após as eleições. Essa escolha, provavelmente, tem a ver com os riscos que essa comunicação também implica, especialmente em se tratando de uma agente político, no caso Presidente da República, com alta relevância pública. Do lado da audiência, o volume de engajamento indica que cidadãos mais envolvidos com a carreira política de Bolsonaro ou com alto interesse tem mantido o envolvimento com as mensagens, apesar das médias serem menores que o período imediato após as eleições. Passaremos agora a analisar o conteúdo das mensagens para saber se elas apresentam um padrão nos temas, indicando o uso estratégico bem definido.
Análise do conteúdo dos Twittes
A extração dos textos de todos os 144 posts publicados por Jair Bolsonaro entre 29/10 e 19/12 sugere algumas pistas de como o presidente tem buscando imprimir a sua imagem a partir de uma comunicação direta com o seu público. No agregado, a palavra mais mencionada por Bolsonaro, conforme a Figura 3, foi “Brasil”, com 36 ocorrências, seguido de “mais”, com 28, “não”, com 19. Em seguida há ainda “bom” e “brasileiro”, ambas com 18 ocorrências.
Figura 3: Palavras mais frequentes nos Twittes de Jair Bolsonaro
(29/10 a 19/12)
Embora a nuvem de palavras ofereça uma visão geral das palavras mais usadas, ela pouco ajuda a entender como essas palavras se associam a outras formando grupos mais consistentes que possam sugerir intepretações mais substantivas da estratégia de comunicação adotada por Bolsonaro. Desse modo, utilizamos na segunda etapa da análise o processo conhecido como Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que consiste em identificar as classes com os conjuntos de palavras consideradas próximas em função do seu grau de associação estatística. Ou seja, quanto mais próximas e repetidas em cada segmento do texto, maiores são as chances de essas palavras formarem classes específicas, diferenciando-se de outros agrupamentos.
Essas classes são formadas após seguidos testes estatísticos que indicam apenas aquelas com maior significância, ou seja, que apresentam associação consistente. Após esses testes, o software usado neste estudo produz um dendrograma que ilustra a relação das classes e suas respectivas palavras.Pelos dados, a primeira conclusão é que a estratégia de Bolsonaro no Twitter pode ser organizada sobre três classes. Cerca de 39% das palavras estão concentradas na Classe 1, em vermelho. Nesse grupo, temos o conjunto de palavras organizadas segundo a frequência de uso: “Brasil”, “dar”, “colocar”, “missão” e “melhor” são algumas delas.
Esse conjunto de palavras na Classe 1, com associação estatística, sugere mensagens nas quais Bolsonaro procurou enaltecer a sua missão de mudar a maneira pela qual o Brasil vinha sendo governador. É um discurso muito próximo daquele adotado durante a campanha presidencial, no qual o então candidato procurou se afirmar como uma pessoa determinada a mudar os “rumos do país” que, na sua visão, era governado por um viés ideológico que o impedia de progredir.
Aproximadamente 31% do conjunto de palavras utilizadas nas mensagens de Bolsonaro no Twitter estão concentradas na Classe 3, em azul. Nesse grupo, podemos notar que se trata de discursos voltados para a nomeação da sua equipe de governo. “Ministro”, “indicação” e “comunicar” são as palavras mais frequentes e com alta associação estatística. A Classe 2, em verde, reúne 29% do conjunto de palavras consideradas na análise. Nesse grupo, como é possível notar, reúne palavras que sugerem tratar das mensagens em que Bolsonaro procurou divulgar as suas atividades nas redes sociais ou publicar agradecimentos a lideranças políticas, eleitores entre outros. As palavras mais frequentemente usadas foram “último”, “novo”, “abraço” e “forte”.
Figura 4. Classes de palavras mais associadas nas mensagens do Twitter de Jair Bolsonaro 29/10 a 19/12
Uma outra forma de visualizar os resultados das mensagens de Bolsonaro no Twitter é por meio da Análise Fatorial de Correspondência (AFC). Esse tipo apresenta os clusters de palavras mais associadas, sugerindo um conjunto de textos com alguma similaridade, bem como grupos que se diferem consistentemente. Como é possível observar, a estratégia de Bolsonaro está estruturada em três grandes grupos. O primeiro, em vermelho, no canto superior direito, reúne as palavras da estratégia do presidente de se mostrar como alguém determinado a mudar o Brasil.
O segundo clusters de palavras está no canto inferior à esquerda em azul. É nesse grupo que estão as mensagens em que Bolsonaro procurou demonstrar a relevância que dará à comunicação direta com os eleitores. Como já observado, 14 dos 22 ministros foram anunciados primeiramente por essa mídia social. Essa estratégia reforça a percepção entre os eleitores de que o novo presidente considera muito importante o contato direto com os seus seguidores nas mídias sociais. O terceiro cluster de palavras, no canto inferior à direita, em verde, como já observado, reúne o conjunto de palavras usadas em mensagens em que Bolsonaro procurou agradecer seus apoiadores ou informou sobre suas agendas durante o período da transição de Governo.
Conclusões
A análise dos usos que o presidente Jair Bolsonaro faz do Twitter demonstrar haver uma estratégia muito clara. Bolsonaro reduziu o volume de publicações na mídia social, o que afetou o total de engajamentos entre o seu público, quando comparado ao expressivo volume registrado logo após o fim da campanha eleitoral de 2018. Durante o período de transição, Bolsonaro passou a usar o Twitter não mais para o enfrentamento político dos adversários de campanha, mas para fazer a transição para o seu governo.
Nesse sentido, o presidente direcionou informações de primeira mão para Twitter, como a nomeação de ministros e mensagens de apoiadores importantes como o telefonema do presidente americano, Donald Trump. O direcionamento de informações de alta relevância política para o Twitter levou os meios tradicionais a disseminarem a informação e o meio através do qual Bolsonaro utilizou para fazer os seus comunicados. O resultado disso é que ele tem conseguido popularizar a percepção de que vale a pena segui-lo no Twitter, estimulando, como já observado, que o público direcione a sua atenção para essa mídia social.
A análise do conteúdo dos posts, por outro lado, mostra uma estratégia estruturada em três eixos. Um orientado para a divulgação de ações do governo, um segundo para reforçar a sua imagem de presidente comprometido com os ideais de um Brasil que precisa de uma figura política forte, com vontade de fazer as mudanças necessárias para o país voltar a ser uma grande nação e, por último, um terceiro eixo no qual procura disseminar mensagens de agradecimentos e suas agendas políticas ou nas mídias sociais.
A partir de uma análise exploratória como
esta é possível aprofundar o estudo para identificar outras nuances dos
discursos ou mensagens de Bolsonaro no Twitter. Essas nuances podem tentar
compreender, por exemplo, aspectos mais qualitativos do discurso do presidente
quando ele procurou imprimir a imagem de pessoa determinada para mudar o
Brasil.
[1] Fonte: IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua)